11.02.2005

Humor

ECLIPSES SOLARES DE MÁ QUALIDADE

"Fiquei histérico quando li uma notícia que dizia que no dia 3 de Outubro vai acontecer um eclipse solar visível em Portugal. Não sendo daqueles eclipses “AAAAAH!”, tudo indica que vai ser, pelo menos um daqueles eclipses “Hummmm!”. Já não é mau. É claro que há zonas onde se vai ver melhor que noutras – sobretudo no Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro. Nessas zonas vai ser possível ver a Lua, ali, paradinha em frente ao Sol e um anel de luz à volta da sombra da Lua, o que é sempre um espectáculo interessante. A parte chata é que, uma vez mais, Lisboa fica de fora da rota dos eclipses decentes. Aqui na capital vamos vê-lo, mas é muito fraquinho, muito parcial. Há quanto tempo não acontece um eclipse decente nesta terra? E ainda dizem que é em Lisboa que tudo acontece e que ninguém liga ao resto do pais. Caramba – vão ter um eclipse solar, o que é que querem mais? E têm a Fátima Felgueiras. Nós não temos nenhuma dessas em Lisboa. Temos outros fenómenos igualmente interessantes, mas Fátima Felgueiras só há uma. Do que se queixam? Eu não me lembro, no meu tempo de vida, de ter assistido a um único grande eclipse, um daqueles totais, em que fica noite. Não é que “ficar noite” seja uma perspectiva apelativa por aí além. Na verdade, e para aqueles que ainda não repararam nisso, todos os dias, sensivelmente por volta das 20 horas, costuma ficar noite, não sendo necessário esperar por um eclipse do sol para que isso aconteça. Se eu quiser ficar com uma ideia do que é um eclipse total, basta-me, chegando às oito da noite, colocar todos os relógios da minha casa na uma da tarde, depois dar uma saltada à rua, fazer “aaah, aaah”, acrescentar frases como “então o que vai ser hoje o almoço” e voltar para dentro a partir do momento em que a sensação de que se está a ser parvo se torna incontrolável. O que é capaz de acontecer ao fim de um minuto. Mas justifica-se fazer este tipo de coisa, uma vez que Portugal raramente é brindado com bons eclipses. Com eclipses de qualidade. Os eclipses solares portugueses não são de marca; são claramente eclipses de marca branca. Os eclipses solares portugueses são os que podemos ter; são comprados por Deus a um preço acessível numa espécie de LIDL Celeste. Ele faz isso só para nos manter interessados. Ele sabe que o verdadeiro investimento em eclipses vale a pena é fazer lá fora. Os eclipses de marca estão reservados para o estrangeiro. É sempre a mesma coisa. Portugal é sempre a cauda. Até no que toca a fenómenos naturais. É como se nem a natureza quisesse nada connosco. Possivelmente a natureza nem sabe quem nós somos. A natureza deve ser daquelas que julga que Portugal é uma província de Espanha. Mas tudo bem – esta manhã, para me vingar, pus um desodorizante com aerosol nos sovacos. De propósito para esgaçar um bocadinho mais o buraco do ozono. Para me vingar da natureza. Apesar da generalizada falta de qualidade dos eclipses nacionais, nós não deixamos de os abraçar com entusiasmo. Repete-se o ritual, com os órgãos de comunicação social a dizerem que não se deve tentar ver o eclipse olhando directamente para o Sol. Quem é que, no seu perfeito juízo, com ou sem eclipse, olha directamente para o Sol? Não sei se já repararam, mas não só não se vê nada, como aquilo incomoda que se farta. Seja como for, num dos últimos eclipses que houve, eu estava a trabalhar numa outra rádio, ali para os lados do Parque Eduardo VII e nunca me hei-de esquecer de um pintas colocado no meio da rua com as mãos nas ancas, sem nenhuma protecção na vista, a olhar directamente para o Sol e a dizer: “Estou a ver o eclipse! É extraordinário! Nem é preciso nada na vista! Vejo perfeitamente a escuridão!” Tive vontade de ir ter com o homem e explicar-lhe que uma das razões por que ele via perfeitamente o eclipse era capaz de ser por estar já cego – daí ele ver a escuridão. O tipo esteve tanto tempo de mão na anca a olhar directamente para o Sol, que eu tenho a nítida sensação que já me cheirava a retina assada. Eu não sei se ele descolou a retina, mas tenho a nítida sensação que, antes disso, ele já tinha descolado o cérebro. Um dos rituais mais famosos para ver um eclipse é o da radiografia. Por isso é que eu digo: meus amigos, da próxima vez que partirem um pé, pensem no lado positivo – já têm equipamento para assistir ao próximo eclipse. Uma vez, durante um eclipse, e perante a evidência de que não encontrava nada para me ajudar a olhar para o Sol, considerei a hipótese de torcer um pé a mim mesmo e ir a coxear até ao centro de análises com raio x mais próximo. Infelizmente, aquilo não é automático; tem de se esperar dias pela radiografia. Por isso, se querem ver o eclipse de dia 3 de Outubro e não têm à mão nenhuma coisa que vos permita olhar para o Sol em segurança, o ideal é irem já fracturando um osso qualquer. Isto das radiografias e dos eclipses presta-se a confusões tramadas. Num dos últimos eclipses do Sol que houve em Lisboa fui ter com uma das pessoas que estava mais atentamente agarrada a uma radiografia, um homem. Naquela de fazer converseta, eu disse: “Então, é espectacular, não é?”. Ao que ele responde, indignado: “O quê? Esta hérnia que me acabaram de descobrir?” Os eclipses. A mística dos eclipses. Há quem defenda que os eclipses influem com a cabeça das pessoas. E que é por isso que, em alturas de eclipse total, acontecem assassínios misteriosos. Eu sinceramente acho que não tem a ver com isso. O que se passa é que fica escuro de repente e uma pessoa acaba por espetar outra com uma faca ou com umas tesouras. Coisas que acontecem. Porquê? Porque não se vê a ponta de um corno. “Ai, psicopatas, as pessoas ficam doidas sob a influência do eclipse” – não, pessoal. Não se vê é nada. E os acidentes acontecem…"



Texto cedido por Nuno Markl, editor do blog Há vida em Markl.

1 comentário:

Anónimo disse...

parece-me um bom começo, mas como são só 2 posts ainda.... fico à espera p'ra ver! ;)